"Escritores, meditem muito e corrijam pouco.
Fazei as vossas rasuras no vosso próprio cérebro"

Victor Hugo

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Bardos a Bordo:"Projeto Leituras"



A CONFRARIA DOS BARDOS também marcou presença no "Projeto Leituras", uma parceria da Editora Cousa com a Livraria Leitura. O evento aconteceu na loja do Shopping Vitória, que contou com a presença da Escritora Aline Dias, que leu um fragmento de seu livro "Vermelho", também de Marcos Ramos, recitando trecho de um dos poemas de sua lavra "Um corpo que se escreve pedra", e o Professor e poeta Paulo Roberto Sodré com declamações de "Poemas desconcertantes", sua mais recente publicação.

E para dar sequência à literatura e às letras, proposta primaz do Grupo, Rodrigo de Almeida (Bardo), em co-autoria com André Serrano (Bardo), nos deram a resenha crítica que segue:


IMPRESSÕES SOBRE O “PROJETO LEITURAS”, DIA 24/04


Dentro de todo texto dorme uma voz, e quando ela acorda, a palavra escrita parece ganhar vida. De fato, todo texto possui uma voz própria, pede um certo tom. Experimente o leitor declamar os versos iniciais da “Saudação a Walt Whitman”, de Álvaro de Campos, com voz calma e suave. Seria um desastre, pois esse poema pede uma leitura quase aos berros:  

Portugal Infinito, onze de junho de mil novecentos e quinze...
Hé-lá-á-á-á-á-á-á!

Nós, entretanto, acostumados que estamos com a leitura silenciosa, deixamos de explorar essa dimensão oral do texto. Estamos presos ainda a certo modelo de literatura, historicamente constituído a partir do século XV, que opõe a voz à letra. Não à toa, muitas práticas literárias contemporâneas procuram rever essa tradição, reservando um espaço para a voz, dando à performance lugar de destaque. Nesse sentido, o encontro realizado pela editora Cousa na Livraria Cultura do Shopping Vitória, nesta terça-feira (24/04), como parte do “Projeto Leituras”, é mais que um mero evento de divulgação da literatura produzida no Espírito Santo ou uma oportunidade para tietar o autor, essa figura que todos nós amamos. Trata-se de uma tentativa de resgatar a voz do texto, de mostrar que, longe de haver uma cisão radical entre oralidade e escrita, o que existe entre ambos é uma confluência, uma interpenetração, que pode (ou não) ser bastante proveitosa para ambos.

Vejamos o caso do primeiro autor a declamar, Marcos Ramos. Marcos leu trechos de seu poema longo Um corpo que se escreve pedra, e embora fosse um texto de boa qualidade, a leitura não nos satisfez. Isso porque o autor deu ao poema um tom de voz muito fino, incompatível com o texto, que trata de solidez, de concretude, como o leitor esperto já terá adivinhado pelo título. Em outras palavras, a leitura de Marcos Ramos foi um exemplo de como a voz pode não enriquecer a letra, e esperamos que o poeta possa amadurecer e ganhar mais experiência para melhorar suas performances futuras.

Seguindo Marcos Ramos, Aline Dias leu parte de seu romance Vermelho. Foi a leitura mais surpreendente: Aline leu o texto junto com um amigo, dramatizou, fez gestos, caras e bocas. Essa leitura conjunta evidenciou a importância do diálogo no texto da autora, uma narrativa ágil, leve, influenciada, possivelmente, pelo trabalho de Aline como jornalista. Nesse aspecto, lembra-nos os trabalhos de Luis Fernando Verissimo, outro escritor-jornalista.

Por fim, foi a vez de Paulo Roberto Sodré ler dois de seus poemas, “Visitação” e “nesta noite há cerveja no copo dos olhos”. A voz calma e compassada de Paulo adequou-se bem aos textos, e foi bastante positiva. No primeiro caso, a leitura beneficiou particularmente a retomada do motivo clássico do locus amoenus, além da sutileza crítica que o poema encerra. A mesma convergência entre letra e voz também foi notada em “nesta noite há cerveja no copo dos olhos”, com seu erotismo melancólico.



Para encerrar, apresentamos abaixo o poema “Visitação”, e sugerimos ao leitor que faça um exercício de imaginação: leia os versos e, se possível, tente ouvi-los na mente com a voz do autor, já conhecida pelo vídeo postado aqui anteriormente. E sem esquecer que, dia 29/05, o Projeto Leitura se reúne novamente, com a presença do poeta Wladimir Cazé, no mesmo local. Até lá.


Texto de Rodrigo de Almeida com a colaboração de André Serrano. 


Visitação


para Lillian DePaula


I.

Coqueiros e castanheiras
desenham um julho
que refresca a praia.

Na margem da rodovia,
guaranis capixabas
vendem penas e sementes
em objetos melancólicos.

As ondas
entornam
sua memória.


II.

Um rapaz,
rodeado
de crianças
e mulheres,
desfia a tarde.

Coqueiros,
maresia,
ventos de julho:
na menina
dos olhos.

Caravela
ou carro
ancorado
na lembrança
das ondas?




III.

Um professor
de literatura
portuguesa
estaciona
o automóvel
na margem
da rodovia:

as ondas
suspendem
sua memória;

os saguis
recolhem
seus saltos;

os objetos
de penas e sementes
olham-no,

no entanto,

coloridamente.


IV.

Uma menina
fala a língua
atlântica

de que saguis
e pau-brasis
são a paisagem.

Velhos calmos
incrustados
nas sílabas
de suas frases
imemoriais.

Uma menina
fala;

as ondas
recordam.


V.

O leque
amarelo;

O colar
brasil;

O cesto
frágil
e vazio.

O rapaz olha.

A menina espera.

Uma criança,
quase loura,
chora.

As ondas?


VI.

Os guaranis
e suas frases
castanhas
não sorriem.

Tingem
uma presença
indiferente.


VII.

O carro parte.
E a poeira,
como as ondas,
indaga:

até quando?


Coqueiral de Aracruz
(2 de agosto de 2008)

In: Poemas desconcertante, seguidos de Senhor branco ou o indesejado das gentes. Vitória: Cousa, 2012.





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