A CONFRARIA DOS BARDOS também marcou presença no "Projeto Leituras", uma parceria da Editora Cousa com a Livraria Leitura. O evento aconteceu na loja do Shopping Vitória, que contou com a presença da Escritora Aline Dias, que leu um fragmento de seu livro "Vermelho", também de Marcos Ramos, recitando trecho de um dos poemas de sua lavra "Um corpo que se escreve pedra", e o Professor e poeta Paulo Roberto Sodré com declamações de "Poemas desconcertantes", sua mais recente publicação.
E para dar sequência à literatura e às letras, proposta primaz do Grupo, Rodrigo de Almeida (Bardo), em co-autoria com André Serrano (Bardo), nos deram a resenha crítica que segue:
IMPRESSÕES
SOBRE O “PROJETO LEITURAS”, DIA 24/04
Dentro de todo texto dorme uma
voz, e quando ela acorda, a palavra escrita parece ganhar vida. De fato, todo
texto possui uma voz própria, pede um certo tom. Experimente o leitor declamar
os versos iniciais da “Saudação a Walt Whitman”, de Álvaro de Campos, com voz
calma e suave. Seria um desastre, pois esse poema pede uma leitura quase aos
berros:
“Portugal Infinito, onze de junho de mil
novecentos e quinze...
Hé-lá-á-á-á-á-á-á!”
Hé-lá-á-á-á-á-á-á!”
Nós, entretanto, acostumados que estamos com a leitura silenciosa, deixamos de explorar essa
dimensão oral do texto. Estamos
presos ainda a certo modelo de literatura, historicamente constituído a partir
do século XV, que opõe a voz à letra. Não à toa, muitas práticas literárias
contemporâneas procuram rever essa tradição, reservando um espaço para a voz,
dando à performance lugar de
destaque. Nesse sentido, o encontro realizado pela editora Cousa na Livraria Cultura do Shopping Vitória, nesta
terça-feira (24/04), como parte do “Projeto Leituras”, é mais que um mero
evento de divulgação da literatura produzida no Espírito Santo ou uma
oportunidade para tietar o autor, essa figura que todos nós amamos. Trata-se de
uma tentativa de resgatar a voz do texto, de mostrar que, longe de haver uma
cisão radical entre oralidade e escrita, o que existe entre ambos é uma
confluência, uma interpenetração, que pode (ou não) ser bastante proveitosa
para ambos.
Vejamos o caso do primeiro autor a declamar, Marcos Ramos. Marcos leu
trechos de seu poema longo Um corpo que
se escreve pedra, e embora fosse um texto de boa qualidade, a leitura não
nos satisfez. Isso porque o autor deu ao poema um tom de voz muito fino, incompatível
com o texto, que trata de solidez, de concretude, como o leitor esperto já terá
adivinhado pelo título. Em outras palavras, a leitura de Marcos Ramos foi um
exemplo de como a voz pode não enriquecer a letra, e esperamos que o poeta
possa amadurecer e ganhar mais experiência para melhorar suas performances futuras.
Seguindo Marcos Ramos, Aline Dias leu parte de seu romance Vermelho. Foi a leitura mais surpreendente: Aline leu
o texto junto com um amigo, dramatizou, fez gestos, caras e bocas. Essa leitura
conjunta evidenciou a importância do diálogo no texto da autora, uma narrativa
ágil, leve, influenciada, possivelmente, pelo trabalho de Aline como
jornalista. Nesse aspecto, lembra-nos os trabalhos de Luis Fernando Verissimo,
outro escritor-jornalista.
Por fim, foi a vez de Paulo Roberto Sodré ler dois de seus poemas, “Visitação”
e “nesta noite há cerveja no copo dos olhos”. A voz calma e compassada de Paulo
adequou-se bem aos textos, e foi bastante positiva. No primeiro caso, a leitura
beneficiou particularmente a retomada do motivo clássico do locus amoenus, além da sutileza crítica que o poema encerra.
A mesma convergência entre letra e voz também foi notada em “nesta noite há
cerveja no copo dos olhos”, com seu erotismo melancólico.
Para encerrar, apresentamos abaixo o poema “Visitação”, e sugerimos ao
leitor que faça um exercício de imaginação: leia os versos e, se possível,
tente ouvi-los na mente com a voz do autor, já conhecida pelo vídeo postado
aqui anteriormente. E sem esquecer que, dia 29/05, o Projeto Leitura se reúne
novamente, com a presença do poeta Wladimir Cazé, no mesmo local. Até lá.
Texto de Rodrigo de Almeida com a colaboração de André
Serrano.
Visitação
para Lillian DePaula
I.
Coqueiros e castanheiras
desenham um julho
que refresca a praia.
Na margem da rodovia,
guaranis capixabas
vendem penas e sementes
em objetos melancólicos.
As ondas
entornam
sua memória.
II.
Um rapaz,
rodeado
de crianças
e mulheres,
desfia a tarde.
Coqueiros,
maresia,
ventos de julho:
na menina
dos olhos.
Caravela
ou carro
ancorado
na lembrança
das ondas?
III.
Um professor
de literatura
portuguesa
estaciona
o automóvel
na margem
da rodovia:
as ondas
suspendem
sua memória;
os saguis
recolhem
seus saltos;
os objetos
de penas e sementes
olham-no,
no entanto,
coloridamente.
IV.
Uma menina
fala a língua
atlântica
de que saguis
e pau-brasis
são a paisagem.
Velhos calmos
incrustados
nas sílabas
de suas frases
imemoriais.
Uma menina
fala;
as ondas
recordam.
Um professor
de literatura
portuguesa
estaciona
o automóvel
na margem
da rodovia:
as ondas
suspendem
sua memória;
os saguis
recolhem
seus saltos;
os objetos
de penas e sementes
olham-no,
no entanto,
coloridamente.
IV.
Uma menina
fala a língua
atlântica
de que saguis
e pau-brasis
são a paisagem.
Velhos calmos
incrustados
nas sílabas
de suas frases
imemoriais.
Uma menina
fala;
as ondas
recordam.
V.
O leque
amarelo;
O colar
brasil;
O cesto
frágil
e vazio.
O rapaz olha.
A menina espera.
Uma criança,
quase loura,
chora.
As ondas?
VI.
Os guaranis
e suas frases
castanhas
não sorriem.
Tingem
uma presença
indiferente.
VII.
O carro parte.
E a poeira,
como as ondas,
indaga:
até quando?
Coqueiral de Aracruz
(2 de agosto de 2008)
In: Poemas desconcertante,
seguidos de Senhor branco ou o indesejado das gentes. Vitória: Cousa, 2012.
Obrigada!
ResponderExcluirAline, só para confirmar, "Vermelho" é romance msm?
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
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